Na década de 50, Stanley Miller demonstrou, em um experimento simples, que compostos orgânicos tais como aminoácidos, ácidos hidroxílicos, aldeídos e hidrocianeto poderiam ser espontaneamente formados a partir de uma mistura de amônia, metano, hidrogênio e vapor de água que fosse aquecida e sujeita a descargas elétricas. As moléculas simples forneceriam os átomos necessários à composição das moléculas ao passo que o calor e as descargas elétricas seriam responsáveis pela energia necessária para estabelecimento das ligações químicas. Nesta hipótese, os elementos básicos para existência de vida na forma como a concebemos (carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio) estariam disponíveis na própria atmosfera. Segundo esta teoria, a origem das moléculas orgânicas é abiótica.
Neste cenário, a evolução molecular e a transição para a vida requereram um papel preponderante da molécula de RNA, em um modelo conhecido como “mundo do RNA”. Assim, nem DNA nem proteínas foram os elementos responsáveis pelo salto da evolução, e sim a molécula de RNA, que possivelmente cumpriu simultaneamente os papéis de “primeiro gene” e “primeira enzima”. Esta linha de pensamento é corroborada pelos seguintes fatos: i) desde a década de 80 são conhecidos RNAs com poder catalítico, também chamados ribozimas e ii) diversos vírus (eg. família Retroviridae) possuem RNA como material genético. Desta forma, o sistema de codificação das informações no DNA seria posterior ao RNA.
Este modelo propõe que a informação necessária para o surgimento da vida teria se estabelecido em etapas:
1 – criação da sopa pre-biótica rica em compostos orgânicos produzidos naturalmente a partir dos elementos inorgânicos da atmosfera
2 – produção de pequenas moléculas de RNA, com seqüências aleatórias
3 – surgimento de moléculas catalíticas de RNA e replicação seletiva
4 – síntese de peptídeos específicos catalisada por RNAs – algumas moléculas de RNA seriam “específicas” para conectar aminoácidos e formar cadeias peptídicas maiores.
5 – incremento do papel funcional dos peptídeos na replicação de RNA, com co-evolução de RNA e proteínas em um sistema de seleção química por atividade funcional
6 – desenvolvimento de sistemas simples de tradução, possivelmente baseado em associação de RNA e proteínas
7 – formação de moléculas de DNA a partir do RNA, possivelmente com catalise mediada por uma molécula de RNA
8 – estabelecimento do DNA como material informacional
O recente (2009) relato da síntese de novo de pirimidinas revela uma nova perspectiva para a demonstração do surgimento da molécula de DNA e, consequentemente, da vida. A maior dificuldade, nessa hipótese, é a de aceitar que uma evolução química gradual (e casual) das moléculas presentes nos mares tenha sido responsável pelo surgimento de uma estrutura tão complexa e específica como um organismo vivo, mesmo que primitivo. Biólogos costumam rebater o argumento da seguinte forma: o aparecimento da vida dessa maneira é realmente um evento de muito baixa probabilidade; no entanto, em termos estatísticos, devido ao tempo muito longo disponível, o número de "tentativas" químicas foi praticamente infinito. Assim, o fenômeno da vida acabaria fatalmente ocorrendo, sendo apenas uma questão de se esperar o suficiente. O princípio seria o mesmo daquilo que ocorre quando se objetiva sortear uma única bola vermelha de um saco com um milhão de bolas, todas as demais pretas: se o número de tentativas for suficientemente grande, acabaremos conseguindo sortear a bola que nos interessa.
Assumindo, então, este processo gradual e ao acaso, no ambiente da sopa primordial, rica mistura de compostos orgânicos das mais variadas estruturas químicas, surgiram as primeiras formas de vida quimiotróficas. O salto evolutivo seria associado ao surgimento dos primeiros pigmentos, capazes de capturar energia da luz e fixar carbono em moléculas orgânicas. Surge, então, o autotrofismo. Supõe-se que o doador de elétrons primário tenha sido o H2S, e que o sistema tenha evoluído para o uso da água, com liberação de oxigênio. Estes processos iniciais surgiram em um ambiente com pouco oxigênio molecular, sendo, então, basicamente processos anaeróbios. O aumento da concentração de oxigênio na atmosfera representou outro salto evolutivo, já que o O2 é um potente oxidante e um veneno letal para os anaeróbios. Além disso, o rendimento energético da oxidação total de compostos orgânicos é bastante superior ao da oxidação parcial.
Os detalhes do curso evolutivo no planeta não podem ser deduzidos somente a partir de registros fósseis, que são escassos. Entretanto, através de comparações morfológicas e bioquímicas entre os organismos atuais, uma seqüência de eventos consistente com as evidências fósseis pode ser sugerida. Para o surgimento dos eucariotos, 3 mudanças teriam sido necessárias:
1 – surgimento de um sistema de empacotamento de DNA, compatível com o grau de expansão em comprimento da molécula
2 – compartimentalização do DNA, separando os processos de síntese de RNA da produção de proteínas
3 – associação endosimbionte que capacitou as células eucariontes primitivas a realizar o metabolismo aeróbio (mitocôndria) e a fotossíntese (cloroplasto). O modelo de teoria endosimbionte sugere que o primeiro evento de associação foi entre a célula eucarionte ancestral e bactérias aeróbias, constituindo células eucariontes aeróbias. A partir daí, a associação com cianobactérias fotossintéticas permitiu o aparecimento de células eucariontes aeróbias fotossintéticas.
Temporalizando:
4.500.000.000 – surgimento da Terra
4.000.000.000 – surgimento dos oceanos
3.500.000.000 – surgimento das bactérias fotossintéticas sulfurosas
3.000.000.000 – surgimento das bactérias fotossintéticas produtoras de O2
2.500.000.000 – surgimento das bactérias aeróbias
2.200.000.000 – atmosfera rica em O2 começa a ser formada
1.500.000.000 – surgimento dos primeiros eucariotos
1.200.000.000 – primeiras associações endosimbióticas
900.000.000 – surgimento de algas verdes e algas vermelhas
400.000.000 – diversificação dos organismos multicelulares eucariontes
ATENÇÃO
Este material consiste de uma montagem de conceitos e idéias transcritos a partir de publicações formais, tais como livros e artigos e publicações de acesso livre obtidas pela internet e que encontram-se citados abaixo:
Lehninger. Princípios da Bioquímica. Ed. Elsevier. 2007.
http://www.editorasaraiva.com.br/EDDID/CIENCIAS/biblioteca/artigos/n099602.html. acesso realizado em 20/10/2010.
Parabéns pelo blog. Gostei MUITO!
ResponderExcluirA hipótese de que a vida teria se originado gradualmente da forma rna --> rna +peptídeos --> dna realmente parece mais plausível. Um salto gigantesco de compostos orgânicos direto para o DNA é bem complicado, mesmo com o argumento estatístico (que por sua vez, é bem compreensível).
ResponderExcluirApesar disso, pessoalmente "prefiro" a hipótese do salto para o DNA. Desse jeito, o evento da vida seria bem mais raro, o que quebraria um pouco o Paradoxo de Fermi.
Já a hipótese da evolução gradual do rna mostra que tudo seria um processo complicado, mas ainda assim simples, que com os compostos certos e o tempo tornaria a existência da vida inevitável. Sendo essa a hipótese mais correta, já podemos esperar pelo nosso Grande Filtro.
Ótimo blog, Professor. Vou continuar aprofundando no Futuyma.